HONKY CHATEAUDia desses, eu estava saindo de casa para ir à aula, e fui procurar algum disco que combinasse com chuva para ouvir enquanto dirigia (fazer isso em Brasília é uma delícia), já que tenho dessa coisa de achar que um disco combina com determinado clima ou hora do dia. Vasculhando o iPod encontrei o “Honky Château”, do Elton John, que eu havia baixado, mas ouvido uma única vez. Mal me lembrava do disco.
Não lembrava, por exemplo, se esse disco de 1972 (quinto da carreira do cantor) podia ser ouvido sob chuva e a oitenta quilômetros por hora, limite de velocidade da via L4. Também não lembrava que é um clássico, um caso raro de aclamação de crítica e público (foi número 1 nas paradas americanas por cinco semanas), ou qualquer outra coisa. “Honky Château” é tudo isso.
Mas nem precisaria lembrar, bastava ouvir: mal começou “Honky Cat” e eu já estava encantado dentro do carro. Não consegui pegar a letra muito bem enquanto a música tocava, mas parecia interessante. Quando voltei para casa, descobri que ela termina dizendo “viver na cidade, garoto, vai partir seu coração / mas como você pode ficar, quando seu coração diz ‘não’/ como você pode parar quando seus pés dizem ‘vá’?”.
Como qualquer pessoa deveria saber, esse tal de Elton John faz umas melodias de te partir ao meio. Mas logo de cara, e com uma letra dessas acompanhando, é covardia. Tamanha covardia que “Mellow”, a segunda música, nem é memorável, talvez até um pouco chatinha, e não me importei com isso.
A terceira, em compensação, é uma porrada que se explica já no título: “I Think I’m Going To Kill Myself”. Mas por que, Elton? “I’m getting bored being part of mankind / there’s not a lot to do no more, this race is a waste of time”. Obra de Bernie Taupin, letrista parceiro de Elton John, um cara que escreve letras como se fosse um terno sob medida para mim, e para você. Mas Bernie, além de grande letrista, é um espertinho: como condição para não se matar, o suicida pede que Brigitte Bardot o visite todo dia, e o sacrifício não aconteça.
Depois vem “Susie (Dramas)”, e ele fala da linda e pequena Susie, uma garota de olhos negros que brinca com o coração dele o tempo todo - um drama que só. Ela fez com que ele congelasse patinando no gelo ao lado dela e com que ele comprasse novos sapatos, mas ele não liga para nenhum dos dramas, porque ela está ali com ele. Talvez pela imagem da patinação, talvez pela imagem dos dramas, sempre me lembro das tiras do Snoopy (”Peanuts”) na imagem que tenho dessa música.
Ok, melhor segurar. Não vamos chorar agora, porque é a vez de “Rocket Man”, o sucesso do disco. A vida no espaço pode ser uma metáfora para drogas ou para o estrelato, como já li em vários lugares alguém falando sobre o sentido dessa balada, mas o sentimento de solidão é o mesmo… seja num avião entre uma cidade e outra, seja num ônibus espacial entre um planeta e outro. O golpe de misericórdia vem nos versos “and all this science I don’t understand / it’s just my job five days a week”. Reconheceu o seu emprego burocrático aí?
Finda a primeira metade do disco, no lado 2 temos “Salvation”, mas não, não é a salvação, e sim mais uma melodia que deveria ser exposta em algum lugar, como referência para quem queira fazer música nos dias de hoje. “Slave”, em seguida, é o momento politizado, uma prima de “Southern Man”, música do Neil Young lançada dois anos antes. Não é ruim, mas não é como Elton John cantando sobre seus sentimentos.
Por isso mesmo, melhor falar da oitava canção, chamada “Amy”, em homenagem a alguma mulher-tsunami. Conhece esse tipo? São aquelas mulheres que varrem da sua vida tudo aquilo que você mais preza: seu sossego, sua honra, seus amigos, seu dinheiro. Daquelas que te fazem vender seu Honda Civic para comprar dois Fiestas, e um ficar com ela. “Meu pai disse que seu nome é Amy / E que me quebra o pescoço se eu jogar seu jogo / Mas ele não pode fazer isso porque eu te amo do mesmo jeito”, canta Elton, antes de dizer que apanha na rua por gostar dela. E liquida: “Amy, posso não ser o James Dean / Amy, posso não ter dezenove anos / E eu posso ainda usar botas e jeans / Mas você é a mulher que destrói meus sonhos”.
Essa música tem um clima country, o mesmo clima country que você encontra em “Amy”, do Ryan Adams, presente no disco de estreia do matuto de Jacksonville, “Heartbreaker”. Aí começa uma troca de figurinhas: Ryan já disse, numa entrevista, que adora o “Honky Château”, enquanto é sabido que seu “Heartbreaker” fez Elton John pirar e sair de um período de oito anos sem gravar nada. E, só por causa de um disco inspirador, acabou fazendo os dois dividirem um especial de TV um tempo depois, com direito até a um dueto em “Mona Lisas and Mad Hatters”, que sucede “Amy”.
O disco acaba com “Hercules”, uma melodia acolhedora como um abraço e que fala sobre perder a namorada (ou paixão platônica, você escolhe) para um bombado: “and it hurts like hell / to see my gal / messin’ with a mus cle boy / no superman gonna ruin my plans / playin’ with my toys”.
Não conheço muito mais da carreira de Sir Elton, mas também acho “Madman Across The Water” um disco lindo (”Tiny Dancer”, momento cantando junto do filme “Quase Famosos”, saiu daqui) e sei que “Goodbye Yellow Brick Road” não vendeu mais de 30 milhões de cópias à toa. Mas felizmente chove em Brasília durante seis meses seguidos e tenho gasolina no tanque para ir daqui a Uberlândia ouvindo os discos do cara. Bora pegar a estrada?
Por | Eduardo Palandi