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segunda-feira, 26 de março de 2018

Dead Kennedys


No final da década de 1970, o governador Jerry Brown, da Califórnia, era uma estrela em ascensão no Partido Democrata dos Estados Unidos. Identificado com a causa ambientalista e com a luta pelos direitos civis dos homossexuais, era a encarnação do político que havia abraçado algumas das bandeiras progressistas vindas das lutas sociais dos anos 1960. Um belo dia, no entanto, foi surpreendido por “California Über Alles”, música que o apontava como o próximo Führer. Aquele era o cartão de visitas do Dead Kennedys, a banda punk que entraria para a História como a cronista do colapso do sonho americano.

O grupo formado na cidade de São Francisco, em 1978, por Jello Biafra, East Bay Ray, Klaus Flouride e Bruce Slesinger, trazia a marca da distopia no próprio nome: os quatro haviam testemunhado a transformação dos sonhos dos anos 1960 em frustração e cinismo ao longo dos anos 1970, e, por isso, decidiram batizar a banda com uma referência aos símbolos mais poderosos do fim do sonho americano – os cadáveres de John e Robert Kennedy, os irmãos políticos assassinados pelas forças mais retrógradas dos Estados Unidos.

A crítica dos Dead Kennedys a Jerry Brown era a expressão da descrença e da desesperança de toda uma geração que via seus antigos ideais de luta transformados em slogans para vender produtos ou eleger políticos. Em 1979, o governador da Califórnia se preparava para disputar a indicação do Partido Democrata para concorrer à presidência no ano seguinte, apoiado em um discurso progressista que misturava a defesa do meio ambiente a uma proposta de “economia budista”. Diante dessa plataforma, Jello Biafra, o letrista dos Dead Kennedys, usou toda a sua fina ironia para fazer de Brown um símbolo da degeneração do movimento hippie, retratando-o como um líder “zen fascista” que mataria seus opositores em câmaras de gás venenoso, porém orgânico.

“California Über Alles” representa, em muitos sentidos, o início da segunda geração do punk nos Estados Unidos. O estilo musical nasceu no país em meados da década de 1970, mas em Nova York, pelas mãos de bandas como Ramones e New York Dolls. Foram elas as responsáveis por revitalizar o rock’n’roll com uma injeção de adrenalina em um momento em que as bandas dos anos 1960 se tornavam vacas sagradas do mainstream cultural. Esses primeiros punks americanos voltaram às origens subversivas do rock para criar um som cru, rápido e sujo.

O punk, no entanto, teria que cruzar o Atlântico para se tornar um fenômeno não só musical, mas também social e político. Foi com o surgimento das primeiras bandas inglesas, como Sex Pistols e The Clash, por volta de 1977, que o punk se tornou um movimento juvenil de contestação mais amplo. Com suas atitudes e discursos agressivos, chocantes e destrutivos, os Pistols fizeram do punk uma ameaça à moral e aos bons costumes. Já o Clash transformou aquele novo estilo musical em um veículo para poderosas mensagens políticas e de contestação social.

Apesar da intensidade dessa primeira geração, no final dos anos 1970 a maioria das bandas pioneiras havia acabado, como New York Dolls e Sex Pistols, ou se tornado, elas próprias, estrelas do show business contratadas por grandes gravadoras, como Ramones e The Clash. Foi nesse contexto que, em 1978, quatro garotos se juntaram para retomar o lado feio, sujo e subversivo do punk em um lugar improvável: a ensolarada Califórnia – mais especificamente em São Francisco, berço do agora degenerado movimento hippie.

O Dead Kennedys surge do encontro dessas duas vertentes da contracultura: para criticar a hipocrisia dos antigos hippies que se transformavam nos novos yuppies, eles recuperaram os vários elementos das bandas punks anteriores e levaram esse legado às últimas consequências. Se cada grupo tinha dado sua contribuição para o desenvolvimento do punk, o DK reuniu tudo isso e levou a um novo patamar: eram rápidos, sujos, barulhentos, agressivos, chocantes, politicamente radicais e muito, muito criativos.

Foi esse coquetel explosivo que deu origem ao mais completo disco punk de todos os tempos: Fresh Fruit for Rotting Vegetables, álbum de estreia do Dead Kennedys. Além de ser muito mais criativo do que a maioria dos discos punks da época, Fresh Fruit é um retrato brutal do clima político e social que vigorava nos Estados Unidos e no mundo no início da lamentável década de 1980.

O disco já começa com “Kill the Poor”, música que denuncia a insensibilidade de uma elite que, em meio à crise econômica mundial, brinda à eficiência e ao progresso agora que a bomba de nêutrons permite matar os pobres sem causar dano à propriedade. O lado A do então vinil termina com “Chemical Warfare”, que brinca de teatro do absurdo com a paranoia da guerra química e nuclear, ao descrever a aventura de um homem que rouba gás mostarda de uma base militar americana e joga a substância em uma reunião de elite em um clube de golfe.

O lado B começa com “California Über Alles” e segue de maneira frenética até chegar, na penúltima música, ao segundo maior clássico do Dead Kennedys, “Holiday in Cambodia”. Tocada em clima de filme de terror, a música é uma paródia tanto dos yuppies que começavam a despontar na época, quanto do terrível regime do Khmer Vermelho no Camboja. Na letra, Jello Biafra convida os playboys americanos a passar férias nos campos de trabalho forçado montados pelo governo de Pol Pot, para aprenderem o que é bom para a tosse.

O disco termina com uma estranha versão de “Viva Las Vegas”, de Elvis Presley – tributo a um tempo em que os Kennedys ainda eram vivos e em que o sonho americano se insinuava na pélvis de Elvis.

Texto | Bruno Fiuza

1980 | FRESH FRUIT FOR ROTTING VEGETABLES

01. Kill The Poor
02. Forward To Death
03. When Ya Get Drafted
04. Let's Lynch The Landlord
05. Drug Me
06. Your Emotions
07. Chemical Warfare
08. California Uber Alles
09. I Kill Children
10. Stealing Peoples Mail
11. Funland At The Beach
12. Ill In The Head
13. Holiday In Cambodia
14. Viva Las Vegas

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