A desmedida é a medida certa, a conduta ideal para a criatividade inconformada. O transbordamento, quando ocorre com sutileza e inteligência, embevece, embasbaca, redime da apatia até o mais exausto dos blasés. E os malditos e virtuoses da história da sensibilidade e das idéias fazem isso sem o menor esforço. Sade, Rimbaud, Satie, Cioran e Dali são alguns desses privilegiados. Mas há um momento em que os rebeldes da introspecção e os gênios do passado não conseguem verbalizar, esboçar ou sonorizar inquietações e pruridos próprios da contemporaneidade. Quando isso ocorre, onde devemos buscar os tradutores e os porta-vozes das angústias que a estupidez do cotidiano neoliberal produz a cada alta ou queda do dólar?
A indústria cultural só nos oferece lixo. Trata nossos olhos e ouvidos como vasos sanitários e nossas consciências como um material amoldável e reciclável. Difunde a vileza e o pior dos arremedos como “inovações culturais” e proclama a morte da inteligência e da crítica com a ideologia conciliatória de que “gosto não se discute”. A intenção camuflada disso é muito clara: explorar ao máximo o nosso obscurantismo herdado de péssimos professores e da inexistência de políticas culturais, e fazer de nós um rebanho alegremente domado e euforicamente consumidor. E esta merda está por todos os cantos para quem quiser cheirar. Do pagode aos livros de auto-ajuda, da música sertaneja a Paulo Coelho, dos enlatados de Hollywood ao axé music, passando pelas novelas mexicanas, pela MPB tucana e pelos deliciosos corpanzis das Sheilas. Até Pavarotti não escapou da decadência da massificação. Mas tudo isso é mesmo irremediável? Temos de nos conformar doravante com essa indigência cultural, com toda essa mesmice e pasmaceira que o mercado nos impõe como paradigma e que configura a subjetividade do ser humano do próximo milênio?
A indústria cultural só nos oferece lixo. Trata nossos olhos e ouvidos como vasos sanitários e nossas consciências como um material amoldável e reciclável. Difunde a vileza e o pior dos arremedos como “inovações culturais” e proclama a morte da inteligência e da crítica com a ideologia conciliatória de que “gosto não se discute”. A intenção camuflada disso é muito clara: explorar ao máximo o nosso obscurantismo herdado de péssimos professores e da inexistência de políticas culturais, e fazer de nós um rebanho alegremente domado e euforicamente consumidor. E esta merda está por todos os cantos para quem quiser cheirar. Do pagode aos livros de auto-ajuda, da música sertaneja a Paulo Coelho, dos enlatados de Hollywood ao axé music, passando pelas novelas mexicanas, pela MPB tucana e pelos deliciosos corpanzis das Sheilas. Até Pavarotti não escapou da decadência da massificação. Mas tudo isso é mesmo irremediável? Temos de nos conformar doravante com essa indigência cultural, com toda essa mesmice e pasmaceira que o mercado nos impõe como paradigma e que configura a subjetividade do ser humano do próximo milênio?
“Não se pode ser normal e estar vivo ao mesmo tempo”
Se depender do compositor e cantor Lobão, uma resistência e reação já existem. Rebento rebelde da mesma indústria cultural que nos embrutece, Lobão finalmente concretizou o seu matricídio. Ele acabou de lançar por uma gravadora independente A vida é doce, um CD que só é encontrado em bancas de jornal. É a última peça de uma trilogia iniciada em 95 com Nostalgia da modernidade e prosseguida em 98 com Noite, ambos excelentes. Com isso, Lobão libertou-se de vez das imposições e da “pirataria oficial” das grandes gravadoras. Compôs com toda a liberdade 11 canções extraordinariamente marcantes na sonoridade e nas letras, onde o autor revela toda a sua sofisticada cultura literária e musical, fundamentada em Deleuze, Blake, Bach, Nietzsche, Ginsberg, Tom Jobim, Valéry e outros. Trata-se de uma demonstração de que uma criação para ser admirável depende da convivência íntima do seu criador com a fina flor das letras e das partituras, uma retumbante exceção num cenário musical onde o máximo que Daniel ou Ivete Sangalo talvez tenham lido seja a Bíblia ou a Caras, e Renato Russo, os poemas de Camões das apostilas da época em que se preparou para o vestibular.
Acompanhando o CD vem um livrete com as letras, com poesias e fotos denominado Manifesto. Merecem destaque as faixas “Universo paralelo”, “A vida é doce”, “Ipanema no ar”, “Mais uma vez”, “Amanhecendo na lagoa” e o poema “Eu sou Londres”. A esta altura da deterioração das últimas ilusões civilizadoras, a ousadia de Lobão em A vida é doce - uma obra-prima, vale insistir - representa, além de uma ruptura com o megamercado musical e de um clamor vigoroso pela liberdade plena de expressão, um elogio ao insucesso e à impopularidade, ou seja, a defesa da idéia clássica de que ser levado a sério e conclamado por uma opinião pública convencional e imbecilizada é o maior dos opróbrios para todo artista e pensador que se preze.
Se depender do compositor e cantor Lobão, uma resistência e reação já existem. Rebento rebelde da mesma indústria cultural que nos embrutece, Lobão finalmente concretizou o seu matricídio. Ele acabou de lançar por uma gravadora independente A vida é doce, um CD que só é encontrado em bancas de jornal. É a última peça de uma trilogia iniciada em 95 com Nostalgia da modernidade e prosseguida em 98 com Noite, ambos excelentes. Com isso, Lobão libertou-se de vez das imposições e da “pirataria oficial” das grandes gravadoras. Compôs com toda a liberdade 11 canções extraordinariamente marcantes na sonoridade e nas letras, onde o autor revela toda a sua sofisticada cultura literária e musical, fundamentada em Deleuze, Blake, Bach, Nietzsche, Ginsberg, Tom Jobim, Valéry e outros. Trata-se de uma demonstração de que uma criação para ser admirável depende da convivência íntima do seu criador com a fina flor das letras e das partituras, uma retumbante exceção num cenário musical onde o máximo que Daniel ou Ivete Sangalo talvez tenham lido seja a Bíblia ou a Caras, e Renato Russo, os poemas de Camões das apostilas da época em que se preparou para o vestibular.
Acompanhando o CD vem um livrete com as letras, com poesias e fotos denominado Manifesto. Merecem destaque as faixas “Universo paralelo”, “A vida é doce”, “Ipanema no ar”, “Mais uma vez”, “Amanhecendo na lagoa” e o poema “Eu sou Londres”. A esta altura da deterioração das últimas ilusões civilizadoras, a ousadia de Lobão em A vida é doce - uma obra-prima, vale insistir - representa, além de uma ruptura com o megamercado musical e de um clamor vigoroso pela liberdade plena de expressão, um elogio ao insucesso e à impopularidade, ou seja, a defesa da idéia clássica de que ser levado a sério e conclamado por uma opinião pública convencional e imbecilizada é o maior dos opróbrios para todo artista e pensador que se preze.
1999 - A VIDA É DOCE
01. Desdichado II
02. Universo Paralelo
03. Pra Onde Você Vai
04. Tão Menina
05. Vida é Doce
06. Uma Delicada Forma de Calor
07. Tão Perto, Tão Longe
08. Ipanema No Ar
09. Vou Te Levar
10. Mais uma Vez
11. Amanhecendo Na Lagoa
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01. Desdichado II
02. Universo Paralelo
03. Pra Onde Você Vai
04. Tão Menina
05. Vida é Doce
06. Uma Delicada Forma de Calor
07. Tão Perto, Tão Longe
08. Ipanema No Ar
09. Vou Te Levar
10. Mais uma Vez
11. Amanhecendo Na Lagoa
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