"Se os membros do Clash eram os guerrilheiros urbanos do rock'n'roll, os da Gang of Four eram teóricos do movimento revolucionário", já dizia o Truser Press Record Guide, com acerto. Uma primeira leva do pós-punk britânico - que trouxe essas duas bandas e o PIL, entre outras - se atirava com a mesma fúria contra os fundamentos da sociedade burguesa, fossem eles destrutíveis ou não. Não eram. Mas isso só se soube depois.
As marcas da artilharia ainda estão aí. Uma das mais eloquentes é Entertainment!, primeiro LP da Gang, que viria a ser chamado pelo Melody Maker de "guia jovem para sobrevivência em tempos de recessão" (!).
O grupo surgiu em 1977 na cidade portuária e industrial de Leeds. O baterista Hugo Burnham, o guitarrista Andy Gill e o vocalista Jon King - todos egressos da universidade local - recrutaram Dave Allen (esse, o único proletário de verdade da banda) para o baixo. E em poucos meses já lançavam um primeiro LP, Damaged Goods, pelo selo independente Fast Products. O sucesso de crítica do disco e o furor que as apresentações ao vivo sempre causavam em clubes ou escolas deixaram a EMI interessada no grupo. A "camarilha dos quatro" (xingamento cunhado pelo governo chinês para o grupo político da viúva de Mao Tse Tung, expurgada do poder tempos depois da morte do marido) se garantiu, exigindo da gravadora - a mesma que rompeu com os Sex Pistols em 1976 - controle total sobre o produto: repertório, capa, produção e divulgação. A EMI pagou para ver.
O aperitivo já causou encrenca: o single "At Home He's a Tourist" esbarrou na censura do programa de TV Top of the Pops, por uma referência, na letra, a camisinhas. O LP confirmou a porrada. Numa espécie de lapidação do diamante cristalizado no carvão punk, o som da Gang não é mero suporte para textos de agitação. Ele é político: sintético, reduzindo ao mínimo essencial, valorizando cada elemento musical e não fazendo concessões a fórmulas ou estilos convencionalmente aceitos - ainda que seja perfeitamente rock. A base sonora das faixas resume-se praticamente a baixo e bateria - uma cozinha que conseguiu juntar de forma única simplicidade, criatividade e peso -, e é apenas pontuada pela guitarra de Gill, pelos vocais e por uma eventual escaleta (monocórdica) de King. Apesar das intervenções brutais dos instrumentos, o silêncio também é ostensivamente usado na texto musical, criando climas inusitados a partir da formação mais tradicional do rock.
Gill, o guitarrista, uma das promessas da década (não realizada desde que ele se afastou para tratar de um câncer), mantém-se nos acordes - ao contrário dos próximos discos da banda, onde predominariam riffs e notas. Musicais como "Natural's Not in It" e "Damaged Goods" (regravada), por incrível que pareça, resumem-se a dois acordes básicos de guitarra - todo o clima se baseia na dinâmica dos instrumentos.
Mas Gill também tinha outras cartas na manga (ou entre os dedos). Basta observar suas intervenções insólitas no (anti) funk "Not Great Men" ou o puro noise que encerra "Guns Before Butter", numa dissonância que também aparece em "Ether" e "Glass". No início de "Anthrax", parece que iremos escutar a versão de "Star Spangled Banner" de Jimi Hendrix, tal a brilhante manipulação do feedback. Mas logo surge um beat tribal de Allen e Burnham, seguido da dupla vocalização de King e Gill (à maneira de "The Murder Mistery", do terceiro LP do Velvet Underground).
Um perfeito veículo para a visão (eminentemente marxista) da banda, a da "política em microcosmo" das relações humanas em uma sociedade capitalista: o casamento como posse, o trabalho alienado, a tortura como rotina (nas prisões políticas) e a rotina como tortura, lá e cá.
Num lampejo de incorformismo: that's not entertainment!
(Celso Pucci e Alex Antunes - Bizz 44, Março/1989)
As marcas da artilharia ainda estão aí. Uma das mais eloquentes é Entertainment!, primeiro LP da Gang, que viria a ser chamado pelo Melody Maker de "guia jovem para sobrevivência em tempos de recessão" (!).
O grupo surgiu em 1977 na cidade portuária e industrial de Leeds. O baterista Hugo Burnham, o guitarrista Andy Gill e o vocalista Jon King - todos egressos da universidade local - recrutaram Dave Allen (esse, o único proletário de verdade da banda) para o baixo. E em poucos meses já lançavam um primeiro LP, Damaged Goods, pelo selo independente Fast Products. O sucesso de crítica do disco e o furor que as apresentações ao vivo sempre causavam em clubes ou escolas deixaram a EMI interessada no grupo. A "camarilha dos quatro" (xingamento cunhado pelo governo chinês para o grupo político da viúva de Mao Tse Tung, expurgada do poder tempos depois da morte do marido) se garantiu, exigindo da gravadora - a mesma que rompeu com os Sex Pistols em 1976 - controle total sobre o produto: repertório, capa, produção e divulgação. A EMI pagou para ver.
O aperitivo já causou encrenca: o single "At Home He's a Tourist" esbarrou na censura do programa de TV Top of the Pops, por uma referência, na letra, a camisinhas. O LP confirmou a porrada. Numa espécie de lapidação do diamante cristalizado no carvão punk, o som da Gang não é mero suporte para textos de agitação. Ele é político: sintético, reduzindo ao mínimo essencial, valorizando cada elemento musical e não fazendo concessões a fórmulas ou estilos convencionalmente aceitos - ainda que seja perfeitamente rock. A base sonora das faixas resume-se praticamente a baixo e bateria - uma cozinha que conseguiu juntar de forma única simplicidade, criatividade e peso -, e é apenas pontuada pela guitarra de Gill, pelos vocais e por uma eventual escaleta (monocórdica) de King. Apesar das intervenções brutais dos instrumentos, o silêncio também é ostensivamente usado na texto musical, criando climas inusitados a partir da formação mais tradicional do rock.
Gill, o guitarrista, uma das promessas da década (não realizada desde que ele se afastou para tratar de um câncer), mantém-se nos acordes - ao contrário dos próximos discos da banda, onde predominariam riffs e notas. Musicais como "Natural's Not in It" e "Damaged Goods" (regravada), por incrível que pareça, resumem-se a dois acordes básicos de guitarra - todo o clima se baseia na dinâmica dos instrumentos.
Mas Gill também tinha outras cartas na manga (ou entre os dedos). Basta observar suas intervenções insólitas no (anti) funk "Not Great Men" ou o puro noise que encerra "Guns Before Butter", numa dissonância que também aparece em "Ether" e "Glass". No início de "Anthrax", parece que iremos escutar a versão de "Star Spangled Banner" de Jimi Hendrix, tal a brilhante manipulação do feedback. Mas logo surge um beat tribal de Allen e Burnham, seguido da dupla vocalização de King e Gill (à maneira de "The Murder Mistery", do terceiro LP do Velvet Underground).
Um perfeito veículo para a visão (eminentemente marxista) da banda, a da "política em microcosmo" das relações humanas em uma sociedade capitalista: o casamento como posse, o trabalho alienado, a tortura como rotina (nas prisões políticas) e a rotina como tortura, lá e cá.
Num lampejo de incorformismo: that's not entertainment!
(Celso Pucci e Alex Antunes - Bizz 44, Março/1989)
1979 | ENTERTAINMENT!
01 | Ether
02 | Natural’s Not in It
03 | Not Great Men
04 | Damaged Goods
05 | Return the Gift
06 | Guns Before Butter
07 | I Found That Essence Rare
08 | Glass
09 | Contract
10 | At Home He’s a Tourist
11 | 5.45
12 | Anthrax
13 | Outside the Trains Don’t Run on Time
14 | He’d Send in the Army
15 | It’s Her Factory
DOWNLOAD
01 | Ether
02 | Natural’s Not in It
03 | Not Great Men
04 | Damaged Goods
05 | Return the Gift
06 | Guns Before Butter
07 | I Found That Essence Rare
08 | Glass
09 | Contract
10 | At Home He’s a Tourist
11 | 5.45
12 | Anthrax
13 | Outside the Trains Don’t Run on Time
14 | He’d Send in the Army
15 | It’s Her Factory
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